‘Minha mente ainda não está boa aqui fora’, diz inocente preso por 10 anos


Homem de 29 anos foi condenado injustamente por latrocínio

em 2014.

Defensoria Pública alegou que não havia provas; ele foi solto em junho.

Do G1 São Paulo

“Minha mente ainda não está boa aqui fora”, disse um homem de 29 anos que foi solto após ficar quase dez anos preso injustamente acusado de latrocínio. O ex-detento, que não teve o nome divulgado, conseguiu deixar a prisão em junho após intervenção da Defensoria Pública de São Paulo. O órgão entrou com ação de revisão criminal na Justiça, que o absolveu da condenação de 23 anos e quatro meses de prisão pelo crime de roubo seguido de morte.

O Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo considerou que não havia provas de que o homem teria participado, ao lado de outros cinco homens, do assalto a uma loja na Zona Leste da capital paulista que resultou na morte do dono, atingido por um tiro. O fato ocorreu em 2004.

A declaração do ex-detento foi dada à assessoria de imprensa do órgão após ele ganhar a liberdade. “Minha família até quer me ajudar a passar num psiquiatra. Tem coisas em que eu me perco ainda”, disse ele

Latrocínio
O ex-detento havia sido condenado. A decisão transitou em julgado (já não cabia recurso) no final de outubro de 2006.

Segundo a denúncia do Ministério Público (MP), o homem, que era réu primário, teria participado do latrocínio ao proprietário da loja.

No pedido de revisão criminal, a Defensora Pública Maria Carolina Pereira Magalhães demonstrou que não havia no processo qualquer prova sobre a participação dele no crime. “Ele fora condenado com base em meros indícios alegados durante a fase de inquérito policial e não comprovados judicialmente”, informou a Defensoria.

Nenhuma das quatro testemunhas do processo reconheceu o homem como autor do crime: dois funcionários identificaram apenas três outras pessoas, que entraram na loja, e dois pedestres não reconheceram qualquer dos réus, pois os viram de costas.

O autor do disparo admitiu ter se encontrado no dia do crime com três outros réus para praticarem o roubo, mas não mencionou a presença do homem que ficou preso por quase dez anos.

A defensora pública Maria Carolina comemorou a absolvição na revisão criminal. “Esse é um tipo muito raro de decisão, especialmente considerando-se a gravidade em abstrato do crime e a extensão da pena aplicada e mantida após recurso”, disse.

“É uma vitória da defesa na luta pela aplicação do devido processo legal, pois a absolvição demonstra o reconhecimento pelo TJ-SP da ausência de provas produzidas em contraditório judicial para condenação de uma pessoa que, ressalte-se, já se encontrava presa há dez anos”, afirmou Maria Carolina.

Servente e preso
O homem foi preso preventivamente em agosto de 2004, quando tinha 19 anos de idade e trabalhava como servente de pedreiro e ajudante de entregas. No dia 6 de junho de 2014, aos 29 anos, deixou a Penitenciária de Flórida Paulista – unidade prisional no extremo oeste do Estado que tem capacidade para 844 pessoas mas abriga hoje mais que o dobro: 1.782, segundo dados no site da Secretaria de Administração Penitenciária paulista.

Ele contou que lá chegou a dividir com mais de 40 pessoas uma cela destinada a 12. “Calor insuportável, redes amarradas”, recorda-se. Em quase dez anos, passou períodos também no Centro de Detenção Provisória de São José do Rio Preto e nas Penitenciárias de Presidente Bernardes e de Junqueirópolis.

No cárcere, o homem passava a maior parte do tempo jogando bola, vendo televisão e no trabalho como faxineiro ou costurando bolas. Também lia livros religiosos e de autoajuda sobre estresse e depressão, e chegou a cursar o ensino fundamental até a 8ª série.

Agora, com a liberdade recuperada, ele tentará se adaptar à nova realidade fora das grades, de redes sociais e novas tecnologias. Já tirou RG e CPF novos. Falta o título de eleitor.

Ele contou que pretende voltar a estudar em 2015 e está fazendo pequenos trabalhos informais para ter algum dinheiro, tirar a carteira de habilitação e reconstruir a vida.

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